V de Vingança

Alan Moore sabe das coisas. Ao ver a monumental bomba que ficou a adaptação cinematográfica de V de Vingança pediu para tirar seu nome dos créditos. Por isso é de estranhar a quantidade de resenhas favoráveis ao filme. Novamente a tacanha e adesista crítica nacional entendeu tudo errado e mostrou o seu natural despreparo.

Primeiro, é preciso saber que o roteiro de V de Vingança foi feito por Andy Wachowski e Larry Wachowski. Sim, os diretores da trilogia Matrix. Eles adaptaram a graphic novel escrita por Alan Moore em março de 1988 (no auge do governo Margareth Thatcher). Bem, nem de longe a dupla era a mais indicada para trazer ao cinema um texto complexo desses.

A trama começa em um futuro próximo. A Inglaterra do futuro vive sob um regime totalitário. Na noite de 4 de novembro, Evey (Natalie Portman) é salva de uma blitz da polícia por um misterioso defensor mascarado. Ele veste uma máscara ridícula e atende V (Hugo Weaving, que fica fantasiado o filme todo).

V na trama de Moore é um anarquista em potencial, em sua versão para o cinema soa como uma espécie de Osama Bin Laden de Londres. De qualquer maneira, à meia-noite, exatamente quando o dia 5 de novembro se inicia, V mostra do que é capaz. Ele explode a corte criminal de Londres.

Por quê? Bem, Na Inglaterra, o dia 5 de novembro é conhecido como o Dia de Guy Fawkes. Nesta data, em 1605, um sujeito foi encontrado num túnel sob o Parlamento Inglês com quase 20 barris de pólvora. Ele foi preso, com outros sabotadores, e confessou que seu objetivo era explodir o lugar.

Depois foi enforcado e esquartejado, para que servisse de exemplo a quem conspirasse contra a coroa britânica. Para quem não captou a idéia, a máscara que V usa é exatamente igual ao rosto de Fawkes. Na história em quadrinhos, quem teve essa inspiração o desenhista David Lloyd.

De qualquer maneira, cabe ressaltar o incrível erro de um desqualificado site de resenha cinematográficas que publicou que Fawkes invadiu o parlamento com 20 bananas de dinamite. Coisa um pouco difícil de ocorrer visto que a dinamite só foi inventada depois de 1800. Bem, isso pelo menos explicaria por que o conspirador foi preso. Imaginem a cena:
" - Vou explodir o parlamento com essas bananas - grita Fawkes
- Mas a dinamite ainda não foi inventada - respondem os guardas
- Xiii... Eu sabia que havia algo de errado com esse plano..."

Enfim, Evey depois de ser salva por V, fica em dúvida sobre quais são as reais intenções do mascarado. Como tem coisas mais importantes para fazer do que ficar explicando seus planos para a moçoila, V segue em frente com seu plano de devolver o poder ao povo. Ele invade o canal de TV onde Evey trabalha e coloca no ar uma mensagem para incitar uma revolta. A idéia é concretizar o plano de Fawkes no próximo 5 de novembro. Ou seja, ele tem exatamente um ano para fazer a sua revolução particular e derrubar o governo da Inglaterra.

Por incrível que pareça o público descobre que para fazer isso V só precisa do efeito "bullet-time" e de umas míseras faquinhas. É dose. Como não poderia deixar de ser o filme é muito inferior à HQ. A relação entre V e Evey remete bastante à trama de O Fantasma da Ópera. Porém, o processo processo de "doutrinação espiritual" a que Evey é submetida ficou bem fiel ao conceito de Moore. Não por acaso é um dos poucos bons momentos do filme.

Porém, os cortes feitos em V de Vingança são irritantes. Por exemplo, o supercomputador Destino sequer aparece. A obsessão do Líder Sutler (John Hurt, completamente perdido) é ignorada. Também não aparecem personagens-chave que fizeram toda a diferença, como a ambiciosa Helen Heyes e a vitimizada Rosemary Almond.

Outro falha imperdoável: o assassinato de Lewis Prothero (Roger Allam). No original de Moore ele era a "Voz do Destino", para o filme foi rebatizado de a "Voz de Londres". Porém, o que importa é que sua morte foi uma seqüência banal e sem graça. Na HQ é talvez a melhor expressão da palavra vendetta.

Gordon Deitrich (Stephen Fry) muda de time e não quer nada com Evey . Em mais outra infeliz opção do roteiro que ocorre quase na reta final. No caso de Edward Finch (Stephen Rea) o personagem tem final tão alterado que quase não dá para acreditar na cara-de-pau dos roteiristas.

Enfim, faça como Alan Moore. Desista. V de Vingança não é uma parábola sobre o governo George W. Bush ou uma profunda reflexão sobre a criação de uma indústria do medo, feita com o objetivo de dominar a população em geral . É apenas um filme de ação ruim onde um herói anarquista derruba um governo tirano usando apenas suas indestrutíves facas Ginzu.

J. Tavares

(V for Vendetta, ING, 2006), Direção: James McTeigue, Roteiro: Andy Wachowski e Larry Wachowski, Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea, Stephen Fry, John Hurt, Roger Allam, Clive Ashborn, Sinéad Cusack, Nicolas de Pruyssenaere, Selina Giles, Rupert Graves, Ben Miles, Tim Pigott-Smith, Cosima Shaw, John Standing, Natasha Wightman, Duração: 132 min.

Voltar