Tropa de Elite
Em Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, finalmente o Brasil encontrou o seu Chuck Norris. Sim, demorou mas agora temos o nosso génerico de Jack Bauer. O personagem Capitão Nascimento rouba (no bom sentido, porra!) o filme em seu papel de Charles Bronson do novo milênio, o Dirty Harry com sotaque carioca.
O filme mais pirateado em toda a parca cinematografia nacional acabou - com tanta mídia gerada pelo fato - se tornando um sucesso de bilheteria. Certo, Tropa de Elite foi acusado de ser facista. Mas não é. Por outro lado, trata-se de um filme absurdamente maniqueísta e com uma moral no mínimo discutível. E não importa se você viu a versão pirata ou foi ao cinema.
Tropa de Elite termina por se transformar em uma espécie de Cidade de Deus dos policiais. Desta vez, todavia, chega de glorificar a pilantragem, basta de retratar a malandragem das favelas cariocas com simpatia. Para o roteiro, bandido bom é bandido morto e o devido processo legal não passa de uma lenda urbana.
A trama começa em 1997 quando o Papa decide vir ao Brasil. É preciso garantir a segurança de sua Santidade. Quem seria capaz disso? O Capitão Nascimento (Wagner Moura), é claro. Ele comanda o BOPE - Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. São apenas 100 soldados, enquanto a polícia convencional conta com 30 mil homens. Para o herói, ela é despreparada e corrupta. Aliás, se não existisse o Bope os traficantes já tinham há muito tomado conta do Rio de Janeiro na opinião do Chuck Norris tupiniquim.
O filme rapidamente mostra a que veio com o Capitão Nascimento comandando uma operação de ataque noturno a uma favela no alto de um morro e falando ao celular com a mulher Roberta (Fernanda de Freitas). Ela está grávida, mais uma prova que o Capitão Nascimento não perdoa, mata. Então, em off, o Jack Bauer carioca conta que está nervoso, de pavio curto, querendo logo encontrar um substituto para atuar no comando do BOPE em seu lugar.
Além da história do Dirty Harry brasileiro o roteiro ainda mostra as desventuras de dois policiais idealistas e amigos desde a infância. Neto (Caio Junqueira) e André Matias (André Ramiro) que tentam lutar contra a corrupção na força policial da Cidade Maravilhosa. Apesar de que com mais de 700 favelas dominadas pelo tráfico de drogas o Rio de Janeiro não tem mesmo muito o que comemorar.
De qualquer maneira, Neto e André Matias são brasileiros e não desistem nunca. Ambos armam um esquema para recuperar carros da corporação, que se acham parados sem peças reposição, na oficina do quartel da polícia. Falta dinheiro é a alegação oficial. Então, a dupla decide roubar o dinheiro extorquido jogo do bicho para botar as viaturas funcionando de novo e obedecer a ordem do seu superior, Capitão Fábio (Milhem Cortaz). É o sistema jogando contra o próprio sistema.
Se Neto é um policial cabeça quente, que age sem pensar, André Matias, ao contrário, é inteligente e calmo. Enfrenta o preconceito racial - ele é negro - e tem como principal objetivo se formar em Direito e se especializar na área criminal. O detalhe interessante é que na faculdade ele esconde o fato que é policial dos demais colegas, a alta burguesia carioca, uma verdadeira esquadrilha da fumaça, adepta do cigarrinho do capeta.
Para piorar, André Matias acaba por se sentir atraído por Maria (Fernanda Machado). Patricinha e inocente útil, acaba por convencer o policial a participar de uma ONG, que ao invés de ajudar criancinhas da favela, decide ajudar as criancinhas do terceiro grau fornecendo material para o tráfico de drogas na faculdade.
No meio desse clima pesado, Neto e André Matias decidem que a única chance de lutar contra o sistema é fazer parte do BOPE. Então, decidem participar do teste de admissão. Coisa de fazer inveja ao FBI, CIA e KGB juntos. Os policiais corruptos são expulsos na porrada. Não tem perdão.
Depois de um tempo, os aspirantes a BOPE partem para a prática. Ou seja, sobem o morro para eliminar traficantes. Eles batem, torturam, matam sem piedade. O saco da verdade, por exemplo, é usado para asfixiar os meliantes. Se o criminoso não tem mais valia, "é só botar na conta do Papa". Guerra é guerra e o BOPE não é uma tropa de elite é uma tropa de extermínio.
O filme foi inspirado no livro Elite da Tropa, de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel. O narrador neste caso é Matias. Curiosamente, há uma explicação de como ele chegou a faculdade. O aspira Matias simplesmente ganhou uma bolsa de estudos do Frei que dirige a PUC, após conseguir impedir o que seria um problema durante uma passeata.
O fato é que essa irritante visão maniqueísta e safada do filme desperdiça talvez o único conceito válido do filme. Ou seja, o tráfico só existe por que pessoas - leia-se sociedade do Rio de Janeiro - consomem drogas em doses cavalares. Aliás, a solução para isso é simples. Basta mandar os cariocas para povoar a Amazônia e liberar a Cidade Maravilhosa para os traficantes...
Enfim, se fosse tão fácil quanto parece no cinema, o BOPE seria o último bastião de moralidade do Brasil. Mas quem tem um mínimo de bom senso sabe que desde 1500 é só ladeira abaixo. Sim, somos um país de fanfarrões. No fim das contas, a regra de Groucho Marx segue valendo: inteligência militar é uma contradição em termos.
P.S.: É bom notar que traficante não tem treinamento para o uso de armamentos de guerra, como o pessoal do BOPE, e a média de idade dessa gente é de 13, 14 quiça 16 anos, se viverem tanto. Mas ainda assim o grande número de vítimas de balas perdidas são causadas pela polícia carioca...
(Tropa de Elite, BRA, 2007), Direção: José Padilha, Elenco: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Milhem Cortaz, Fernanda de Freitas, Fernanda Machado, Thelmo Fernandes, Maria Ribeiro, Emerson Gomes, Fábio Lago, Paulo Vilela, André Mauro, Marcelo Valle, Erick Oliveira, Ricardo Sodré, André Santinho, Luiz Gonzaga de Almeida, Bruno Delia, Alexandre Mofatti, Daniel Lentini. Duração: 118 min.