Tolegância

Tolegância - a vegsão do digetor

Sim, a ZeroZen que sempre ouviu, mas nunca prestou muita atenção, nos dois lados da questão, traz a opinião de Carlos Gerbase sobre seu o filme. O texto abaixo foi retirado do site oficial do filme (http://www.terra.com.br/tolerancia) e é uma homenagem a famosa língua presa do diretor.

O ma`gavilhoso mundo do cinema

Fazia tempo que eu não fazia um longa (mais ou menos uns quinze anos), de modo que peço pe`gdão pelas confissões ingênuas e um pouco deslumb`gadas, típicas de um est`geante, que ce`gtamente se segui`gão. Tenho saudades de um monte de coisas da minha vida no`gmal. Me sinto afastado de pessoas e de objetos que, em seu conjunto, constituem minha ci`gcunstância. Acho que a f`gase é de O`gtega Y Gasset (acho que não é assim que se esc`geve, peço desculpas de novo, mas estou filmando e minha cabeça não funciona di`geito): "Eu sou eu e minha ci`gcunstância".

Pois faze`g um filme como "Tole`gância" é mante`g o segundo "eu", na medida do possível, e t`goca`g `gadicalmente de ci`gcunstância. Isso balança muito o vivente. O p`gimei`go "eu" fica f`gágil, desampa`gado. Ao mesmo tempo, tenho a ob`gigação de demonst`ga`g pa`ga a equipe que possuo total domínio da na`g`gativa, que posso montá-la e desmontá-la ao meu bel-p`gaze`g, que tudo isso é uma g`gande b`gincadei`ga, um faz-de-conta de dois meses. (Também tenho saudades de pe`ggunta`g pa`ga o Giba se "bel-p`gaze`g" e "faz-de-conta" têm hífen.)

E filma`g é uma b`gincadei`ga. Mas também não é. Po`g isso é impo`gtante g`gita`g "Ação" bem alto, como um lutado`g de ka`gatê, pa`ga que a equipe toda sinta que a luta é de vida ou mo`gte. Vidas de menti`ga e mo`gtes com sangue de g`goselha e espoletas escondidas na `goupa. Mas vidas e mo`gtes. O vivente que se adapte a esse joguinho de apa`gências, em que caminham monst`gos-g`guas ope`gados po`g cont`gole `gemoto (e que t`gocam o tamanho do b`gaço de aco`gdo com o inimigo); em que pastam ovelhas-dollys, com línguas de dife`gentes tipos; em que se movem ato`ges e at`gizes que, de `gepente, se t`gansfo`gmam na tua f`gente em algo que antes e`ga apenas uma mancha no papel.

Às vezes penso since`gamente que é um absu`gdo te`g tanta gente à disposição pa`ga conta`g essa histó`gia. Esse exé`gcito investi`gá cont`ga quem? Onde está aquela p`godução que cabia no po`gta-mala do meu doginho 1800? Onde estão nossos ve`gdes anos, que g`gaças a deus acaba`gam, mas que insistem em nos assomb`ga`g? O ma`gavilhoso mundo do cinema é um teste de sob`gevivência na selva.

Que`gia fica`g sozinho uma meia-ho`ga po`g dia, que`gia te`g di`geito a ento`gpece`g a mente de vez em quando, que`gia pode`g te`g p`givacidade pa`ga fala`g com uma pessoa de cada vez, em vez de tenta`g faze`g piadas idiotas pa`ga qua`genta. A tole`gância necessá`gia pa`ga faze`g um longa é assustado`ga. Mas, como dizia meu amigo Nelson Nadotti, nada é mais impo`gtante que conta`g uma histó`gia de amo`g. Dói um pouco, às vezes te `gevi`ga po`g dent`go, às vezes te faz atua`g melho`g que os ato`ges. Po`gque a ve`gdade pode se`g menti`ga, e a menti`ga pode se`g a ve`gdade.

Dent`go da câma`ga tudo vai bem. O filme `goda, `gegist`gando isso tudo, que nunca esteve no `gotei`go, como naquela cena ma`gavilhosa de "Boogie Nigths", quando a câma`ga ent`ga dent`go da câma`ga sem qualque`g f`gescu`ga metalingüística, sem qualque`g p`gessuposto semiótico, na simples constatação de que, ao filma`g, estamos levando um mundo `geal, em t`gês dimensões, pa`ga um mundo em 2D, sem pe`gspectiva de ve`gdade, plano como o filme, limitado pelo filme, mas um mundo que não existe sem as coisas de ve`gdade que estão na f`gente da câma`ga, e essas coisas de ve`gdade não tem nada a ve`g com cinema, com técnicas ou efeitos, e sim com aquilo que a gente `gespi`ga, toca, teme, admi`ga, deseja t`gemendamente ou odeia com toda a fo`gça possível.

Cinema não pode se`g apenas um exe`gcício estético, feito com a cabeça, executado com f`gieza. Cinema p`gecisa se`g uma mastu`gbação pe`gmanente, uma lub`gificação dos sentidos, p`gecisa toca`g o mundo `geal sem luvas, p`gecisa menti`g com total convicção, p`gecisa ac`gedita`g muito na menti`ga, até que ela seja tão ou mais impo`gtante que a ve`gdade.

Quando a p`godução cabia no po`gta-malas do doginho isso e`ga muito mais fácil. Hoje temos muito mais facilidade pa`ga filma`g, temos um bando de p`gofissionais que te ajudam a faze`g o filme, mas também co`g`gemos o `gisco de faze`g filmes que não signifiquem nada, que não ent`gem dent`go da câma`ga, que const`guam out`go mundo, totalmente a`gtificial, lá dent`go.

Cinema não pode se`g `gealidade vi`gtual. Tempo e espaço diegéticos não significam tempo e espaço falsos. Tenho ce`gteza de que alguma coisa do que senti fazendo essa filme, afastado de minha ci`gcunstância, se`gá t`gansfe`gida pa`ga a película. E também tenho ce`gteza que essa t`gansfe`gência se`gá dolo`gosa, que i`gá nos assomb`ga`g a cada p`gojeção, que essa b`gincadei`ga não se`gá inconseqüente. Tenho saudades da minha ci`gcunstância, mas, ao mesmo tempo, gosta`gia de filma`g um pouquinho todos os dias, menti`g um pouquinho todos os dias, engana`g a todos sob`ge o que sinto de ve`gdade.

Tempos at`gás, mandei uma maté`gia pa`ga uma edição do NÃO que o Giba estava editando, que e`ga mais ou menos sob`ge isso, e que acabou não sendo editada (po`gque eu pedi), em que eu defendia um cinema p`góximo das nossas vidas, sem medo de se`g auto-`gefe`gente, sem medo de `gegist`ga`g os tempos mo`gtos de nossas vidas pouquíssimo he`góicas. Hoje, depois de um mês fazendo o "Tole`gância", descub`go que o meu texto estava mesmo e`g`gado: somos he`góis! Se não somos, pelo menos fingimos que somos com tanta convicção que ninguém pe`gcebe.

O que está no filme é uma `gealidade mais `geal que a esta aqui, e às vezes muito mais ve`gdadei`ga. Tenho saudades do NÃO, que é pa`gte da minha ci`gcunstância. Tenho saudades de um tempo que não existe mais, que cabia intei`go no po`gta-malas do meu doginho, que bu`g`gamente t`goquei po`g um fusca (que inundava quando chovia), que depois t`goquei po`g um chevete (que sof`gia pa`ga subi`g a se`g`ga), que depois t`goquei po`g um passat (que andava muito mal), que depois t`goquei po`g um del`gei (que majestaticamente não andava).

Não tenho saudades nem do fuca, nem do chevete, nem do passat nem do del`gei, po`gque hoje tenho uma caminhonete em que minha família cabe intei`ga. Mas ainda tenho saudades do doginho, po`gque o cinema cabia todo dent`go do dele. E vou senti`g saudades da do`g de filma`g "Tole`gância", que não cabe`gia nem no po`gta-malas do doginho. Espe`go sob`gevive`g ao ma`gavilhoso mundo do cinema.

Voltar