É como diz o ditado: violência gera violência que gera mais violência que gera roteiros em Hollywood. Gangues de Nova York é uma das maiores perdas de tempo do ano. Até parece que o diretor Martin Scorsese estava a fim de fazer um Mad Max de priscas eras. Reza a lenda que Scorcese esperou 30 anos para realizar este projeto. Bem, considerando o resultado final ele podia esperar mais uns 50...

O filme é baseado no Gangues de Nova York, do jornalista Herbert Asbury, que narra submundo da cidade no século XIX. Naquela época (1846-1863) o antro da criminalidade se chamava Cinco Pontas - que ficava ao sul da ilha de Manhattan, nas imediações do porto de Nova York. Lá o pau comia frouxo graças as guerras de gangues. Como a televisão ainda não tinha sido inventada a grande diversão da patuléia era se estraçalhar uns aos outros.

Os dois maiores líderes do pedaço são o pastor irlandês Vallon (Liam Neeson) e Bill , o Açougueiro, (Daniel Day-Lewis). Em um combate sanguinolento, Bill vence e assume o poder em cinco pontas. O filho de Vallon, Amsterdam (Leonardo DiCaprio) escapa do massacre e promete se vingar. Como se vê nada muito original. Amsterdam vai para um reformatório e anos depois volta para cumprir sua missão.

O problema é que em uma espécie de síndrome de Estocolmo ele acaba se transformando no queridinho de Bill. Algo como o filho que o açougueiro nunca teve. Um legítimo novelão mexicana, isso que em 1800 e alguma coisa sequer existia o SBT, a Record ou a Rede TV! para aceitar uma trama tão pífia e patética. Na tentativa de evitar que a história fique com excesso de testosterona surge Jenny Everdeane (Cameron Díaz) uma ladra capaz de roubar tudo, inclusive o coração de Amsterdam.

Nada disso é capaz de sustentar na trama as arrastadas 2h40min de filme. No meio da tragédia geral, um dos poucos personagens que se salvam é o político corrupto William 'Boss' Tweed (Jim Broadbent). William se alia a Bill para manter as coisas em ordem em Cinco Pontas e arranjar votos para se reeleger. E os irlandeses eram a massa de manobra, os inocentes úteis perfeitos para serem escalados como eleitores. Em uma das melhores frases de Gangues de Nova Iorque o político filosofa: "Eleições não se ganham com votos, ganham-se na apuração". Qualquer semelhança com a América Latina não é mera coincidência.

No meio de toda a balbúrdia em Cinco Pontas ainda existe a guerra da Guerra da Secessão. Pela primeira vez um presidente americano realiza uma convocação militar. A população se revolta para acalmar os ânimos nada melhor do que um banho de sangue sem sentido. Talvez Scorcese tenha escolhido mostrar toda a violência e degradação existentes na criação de Nova Iorque para justificar por que o povo daquela cidade é tão mal-humorado. Mas bem que ele poderia ter feito isso com um roteiro bem menor.

Aliás, o erro fulcral de Gangues de Nova Iorque está na cena onde Amsterdam falha em sua primeira tentativa de vingança. Bill, o açougueiro, pode trucidar o seu adversário, mas contenta-se com uma ínfima cicatriz. Nas cenas seguintes, Leonardo Dicaprio volta rapidamente a ficar com a cara de galã de novela das oito. Ou seja, faltou coragem para transformar o rei do ectasy em hollywood em um ser realmente abjeto, o que justificaria a brutalidade e o ódio da seqüência final.

Tudo em Gangues de Nova Iorque, apesar de alguns lampejos vida inteligente em Scorcese, acaba ficando no meio do caminho. Como a ZeroZen já cansou de dizer: de boas intenções o Inferno e o Congresso nacional estão cheios. Se existe alguma coisa relevante na obra, são as interpretações do elenco. Diga-se de passagem, Leonardo Dicaprio até que chega a convencer com seu ódio a Daniel Day-Lewis.

O detalhe é que ambos quase brigaram de fato durante as filmagens. Caprio acusou seu colega de ser um chato, de entrar demais na pele do personagem, de só atender as pessoas se fosse chamado pelo nome de Bill enquanto estivesse filmando. Daniel respondeu que era para isso mesmo que os atores eram pagos. E agir assim era muito melhor que passar os dias no trailer fumando maconha. Ou seja, a melhor interpretação de Leonardo Dicaprio não é mérito dele. Faz sentido...

J. Tavares

(Gangs of New York, EUA, 2002), Direção: Martin Scorsese, Elenco: Leonardo Dicaprio, Daniel Day-Lewis, Cameron Diaz, Liam Neeson, Jim Broadbent, Brendan Gleeson, John C. Reilly, Henry Thomas, Duração: 160 min.

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