Fahrenheit 9/11

Com o documentário Fahrenheit 9/11 Michael Moore quer provar que é um sujeito muito esperto ao contrário do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que não passa de um completo imbecil. Até pode ser... mas algumas perguntas ainda ficaram sem uma resposta definitiva.

Por exemplo, o cineasta americano ganhou (na fraude) uma eleição no país mais importante do mundo? É ele quem está na Casa Branca? É ele que depois de passar quatro anos no poder vai ficar centenas de milhares de dólares mais rico? Pois é... Então talvez George W. Bush seja muito menos burro do que Michael Moore imagina.

Para piorar as coisas, Fahrenheit não segue a mesma linha imparcial de Tiros em Columbine. No seu trabalho anterior, o cineasta ouvia todas as partes envolvidas no confronto e demolia com várias hipoteses pré-concebidas. Agora, o filme é pura e simplesmente um ataque pessoal a George W. Bush com direito a várias manipulações grosseiras.

Se Tiros em Columbine é uma aula de jornalismo, Fahrenheit 9/11 é um exemplo de como não se faz um documentário. Tudo é forçado ou apelativo demais. A moral da história parece ser: os fins justificam os meios ou precisamos tirar aquele caipira maluco da Casa Branca de qualquer maneira.

Moore aponta como um dos escândalos da administração George Bush, um oleoduto de gás natural que viria do Mar Cáspio, cruzando o Afeganistão. Inclusive, quando era governador do Texas, ele recebeu uma visita de autoridades afegãs do Talibã. Depois da guerra contra o Afeganistão, o projeto foi entregue a empresa Halliburton, do atual vice-presidente Dick Cheney. O problema é que o projeto do oleoduto já tinha sido aprovado na gestão Clinton.

Na verdade, os melhores momentos do filme surgem justamente quandio não há um ataque gratuito a Bush. Depois da conturbada eleição da Flórida, Moore mostra o Senado americano agindo de maneira covarde. Bastava apenas um senador se manifestar para que houvesse uma investigação. Uma petição feita por deputados negros que exigia a apuração da fraude foi solenemente ignorada.

Também há uma cena incrível onde Bush é avisado dos ataques em 11 de setembro de 2001. Ele estava em participando de uma campanha a favor da leitura numa escola primária na Flórida. O filme de Moore mostra o momento em que um de seus assessores sussura no ouvido do presidente dos Estados Unidos, que um avião acaba de espatifar-se contra a primeira torre em Nova York.

Bush continua impassível, com uma cara de abobado da enchente, folheando um livro infantil na mão ("My Pet Goat" ou seja, "minha cabrinha de estimação"). Minutos depois, o mesmo assessor vem avisá-lo do segundo choque de avião contra a outra torre. A indecisão de Bush permanece ainda por longos e dramáticos minutos.

O curioso é que nenhuma rede de televisão tinha divulgado antes essas imagens. Como Michael Moore conseguiu o furo? Simplesmente foi até a escola e perguntou se alguém tinha gravado as cenas com o presidente no dia 11 de setembro. Outra situação incrível mostrada no documentário é a de um aposentado que recebeu uma visita do FBI depois fazer comentários críticos sobre a investigação do terrorismo pelo governo numa academia de ginástica. Ele foi denunciado pelos próprios colegas.

A paranóia e o medo tomaram conta dos Estados Unidos depois dos ataques de 11 de setembro. Michael Moore consegue o inacreditável depoimento de um senador que confesa não ter lido o Ato Patriótico, talvez a lei que mais restringiu os direitos civis nos Estados Unidos. Então, o cineasta arruma um carrinho de sorvete e com um alto-falante passa a dar5 voltas ao redor do Senado e ler todos os artigos para os congressistas.

No auge da provocação, Moore convida os parlamentares norte-americanos a enviarem seus filhos ao Iraque. Todos, é claro, recusam. Mesmo com esses bons momentos, Fahrenheit 9/11 tem deslizes irritantes. O cineasta parece convicto de que a Arábia Saudita é a culpada pelos ataques aos Estados Unidos. Se o temido Osama Bin Laden é saudita, isso não significa que toda a população do país árabe seja composta de terroristas. É uma generalização tão idiota quanto grotesca.

Michael Moore mostra que os sauditas são donos de 7% da economia americana - o que significa uma soma de US$ 860 bilhões. E, é claro que, a família Bush está associada a diversas empresas arábes. Os sauditas chegaram até mesmo a investir na extração de petróleo no Texas, na época em que Bush era governador.

E Moore chega até mesmo a levantar a hipótese de que existe algo muito suspeito nos atentados do dia 11 de setembro. Depois dos ataques, nada menos do que 142 sauditas, 24 deles pertencentes à família Bin Laden, deixaram os Estados Unidos sem serem sequer interrogados. Claro que a ZeroZen já tinha percebido isso muito antes. Basta conferir o nosso ZZ-files.

Fahrenheit 9/11 também comete o pecado mortal de soar falso em alguns momentos. A entrevista com Lila Lipscomb, que perdeu um filho na guerra do Iraque, é absurda. Ela pertence a uma família de militares. Lila, em um primeiro momento, confessa a Moore que sempre detestou os manifestantes que promoviam passeatas contra a guerra, porque não conseguia entendê-los.

Porém, tempos depois ela acaba por perder uma filho na guerra. Então passa a apoiar os pacifistas. Moore aproveita para levar Lila a Washington para ela ver de perto quem são os responsáveis pela morte de seu filho. Agora, como ele conseguiu a sorte de entrevistar justamente uma mãe que foi vítima da tragédia antes da tragédia é um milagre que nem os deuses do cinema podem explicar.

Moore ignora a denúncia das torturas contra prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib. Porém, mostra imagens inacreditáveis da guerra. Todas filmadas por free lancers no Iraque. Até mesmo um bebê de poucos meses é colocado morto na caçamba de um caminhão. Com tanta apelação assim, não é de se espantar que Moore tenha conseguido um tremendo sucesso de bilheteria. E Fahrenheit 9/11 se tornou o documentário mais visto da história do cinema.

Paulo Pinheiro

(Fahrenheit 9/11, EUA, 2004), Direção: Michael Moore, Duração: 122 min.

P.S.1 - O documentário quase não foi lançado. A Disney se recusava a distribuir o filme. A ser questionado por que isto aconteceu, Moore respondeu: "Bem eles viram o filme"

P.S.2 - Ray Bradbury autor do livro Fahrenheit chamou Moore de ladrão por usar o título de seu livro sem permissão.

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