O comercial que acertou a duração da pandemia
Esse talvez seja o comercial mais profético já produzido no Brasil. É assustador ver como a peça foi feita com uma precisão cirúrgica e com um pessimismo inigualável. E, como se sabe, só existe uma diferença entre o otimista e o pessimista, o último está sempre bem mais informado. Pela completa falta de esperança em uma hora que a publicidade deveria vender pelo menos a ilusão de uma luz no fim do túnel, o comercial do Gloob veio parar no obituário.
Antes de mais nada, que marca seria capaz de fazer um comercial tão derrotista? Acredite quem quiser o Gloob é o canal infantil da Globo. A campanha tem como ideia central ‘As melhores histórias crescem com a gente’. O filme, produzido pela área de marca e comunicação da empresa, traz famílias reais e propõe um olhar sobre esse novo tempo e uma reflexão sobre quais aprendizados levar para o futuro.
Note que a peça publicitária entrou no ar em novembro de 2020. O Brasil estava em uma quarentena, mas as pessoas estavam com esperanças de dias melhores. A vacina logo estaria disponível. As UTIs não estavam com mais de 100% de ocupação e os hospitais ainda não tinham alugado contêineres. Enfim, era uma outra vida.
Mas o comercial começa com a ideia de um menino escrevendo uma carta para o seu eu futuro. Se isso é normal na sua casa, saiba que você está criando um nerd. De qualquer forma, o texto da peça faz um alerta sutil: "Oi, Lucas do futuro. Eu sou o Lucas eu tô em casa ao maior tempão agora"
E continua mostrando os problemas que as crianças enfrentam com a pandemia: "É claro que eu fico triste sem poder sair, sem ver meus amigos". Até existe espaço para uma daquelas mentiras inocentes que os meninos contam: "Na hora da aula, eu sinto muita falta da escola, dos meus amigos e dos professores"
De acordo com a gerente de marketing e plataformas digitais da unidade Infantil da Globo, Luciane Neno, a peça publicitária procura passar uma mensagem de esperança. "É um convite para crianças e adultos pensarem no que levariam na sua cápsula do tempo!”, diz Luciane Neno. Porém, as três últimas frases mostram que o redator tem o dom da profecia: "Você ainda tem saudade aí no futuro? Será que a gente é muito diferente depois que cresce? Ou será que dá para crescer e continuar sendo um pouco criança?".
Ou seja, o Lucas criança percebeu que a pandemia não vai acabar tão cedo. O seu eu futuro já deve ter barba e trabalha em casa fazendo aplicativos ou websites. Possivelmente está acima do peso pelo consumo excessivo de refrigerantes e comida enlatada. Por que o Lucas de agora percebeu que o Brasil pode até sair da pandemia, mas a pandemia não vai sair do Brasil. E "maior tempão" definitivamente não são só 40 dias, muito menos um ou dois anos. É uma propaganda de um pessimismo brutal. Mas tem uma grande vantagem. Esse comercial vai continuar sendo atual por muito tempo...