Havaianas e o nosso povinho pé-de-chinelo

Certo. Há uma crise econômica mundial terrível. O que nossos publicitários incríveis decidem fazer? Provar que esse tipo de coisa não existe e o melhor a fazer é torrar todo o nosso dinheiro de forma inconsequente. E a melhor maneira que as Havaianas encontraram para passar essa mensagem de otimismo foi apostando no nosso povinho bunda e alienado.

No novo comercial das sandálias Havaianas, criado pela AlmapBBDO, tenta demonstrar de maneira absurda e equivocada que a música e alegria podem ser um bom estímulo ao otimismo. A ideia é esquecer que existe uma crise e transformar a tristeza em alegria. A campanha foi criada por Rynaldo Gondim e André Nassar, com direção de criação de Marcello Serpa. A direção do comercial ficou a cargo de Clovis Mello, da Cine.

O filme "Roda de Samba", com 30", se passa em um bar onde o grupo Samba na Veia toca e canta, acompanhado por Marcos Palmeira, que tira um som caprichado de suas Havaianas tradicionais. Pausa. Quem diabos usa Havaianas para fazer batucada? A pessoa precisa ter consumido algum barbitúrico ou um psicotrópico. Gente assim não passa no teste do bafômetro.

De qualquer maneira, a roda de samba está animada até que surge uma mulher. Mas não uma mulher qualquer. De óculos, nitidamente acima do peso, cabelo preso, ar professoral, com cara de ser uma estudante de jornalismo resolve do nada interromper a festa dos homens.

Ela está chateada com o que parece ser uma demonstração de alienação ao momento de crise que o mundo está atravessando. A moça chama a atenção de Marcos e seus amigos, afirmando que não é momento para cantorias. "Estamos no meio de uma crise e vocês aí, se divertindo?", critica.

E não é que ela tem razão? A crise grassa, milhares de pessoas estão sendo demitidas e no meio do caos, um ator de novela se reúne para puxar um samba. É justamente por isso que o Brasil não vai para frente...

Por um momento, Marcos parece se chatear e diz: "Tristeza...". Neste exato instante um dos componentes do grupo aproveita a deixa para engatar um dos sambas mais famosos do Brasil: "Tristeza...Por favor vá embora/minha alma que chora/está vendo o meu fim..." ("Tristeza", de Niltinho e Haroldo Lobo, sucesso no carnaval de 1966, ZeroZen também é cultura).

Marcos abre um largo sorriso, a roda se anima, e todos os presentes acompanham o samba cantando e dançando. Irritada, a mocinha vai embora. Notem que não necessariamente a crise foi embora, a roda de samba só se livrou de uma mulher indesejável e chata que estava no caminho da sua inconsequente alegria e falta de preocupação.

O comercial das Havaianas só serve para provar que nós somos mesmo um povinho pé-de-chinelo. O Brasil não entra em crise por que a gente sequer entende o que está acontecendo. É um conceito complexo demais para um país composto, em sua grande maioria, de inocentes úteis. Resumindo: cada povinho pé-de-chinelo tem a sandália que merece.

Da Equipe de Articulistas

Roda de Samba", com 30