VW 70 Anos – “Gerações” é o verdadeiro obituário da publicidade
Se existe um comercial que define um obituário da publicidade é a peça VW 70 Anos – “Gerações”. É um comercial inacreditável do início ao fim. É quase como se fosse um episódio de Black Mirror. É assustador quando deveria ser emocionante. É bizarro quando deveria ser poético. Já dizia Belchior: “Nossos ídolos ainda são os mesmos/E as aparências/Não enganam não”.
A AlmapBBDO decidiu promover um encontro de mãe e filha. Um encontro entre Elis Regina e Maria Rita. Até aí, tudo bem. O detalhe é que Elis faleceu há 41 anos, quando Maria Rita tinha apenas quatro anos. Então como conseguir essa reunião? Apelar para o Chico Xavier? Não dá. Ele também já morreu. Então restou usar o poder da inteligência artificial.
Sim, a IA foi treinada para fazer o reconhecimento facial de Elis. Mais ainda: com a ajuda de uma tecnologia de redes neurais foi possível criar uma Elis Regina virtual. Na verdade, gerou um deep fake muito estranho. Pelo menos a peça publicitária optou por usar a voz original da cantora.
Mas o que importa para o comercial é celebrar os 70 anos da Volkswagen do Brasil. Então enquanto mãe e filha cantam "Como nossos pais" , o comercial combina memórias de carros clássicos da VW como: Fusca, Kombi, o Gol, a Brasília e o SP2. O grande problema é a dissonância entre a música escolhida e as imagens da peça publicitária. Quase nada faz sentido.
O comercial inicia com Maria Rita cantando a música do Belchior. Ela dirige o ID. Buzz. O veículo é o sucessor da Kombi. Sua versão 100% elétrica chegará ao Brasil em lote limitado especial com 70 unidades em homenagem aos 70 anos da marca.
Corta para um sujeito dirigindo um fusca na praia. Alguém usa um mapa de papel. Atenção, mi-mi-milênios. Mapa era o GPS na época dos Maias, Incas e Astecas. Depois surge uma Brasília cheia de instrumentos musicais. Seria uma homenagem à Legião Urbana? Afinal de contas, eles representavam o rock de Brasília...
Então, uma surpresa. Uma Kombi azul surge do nada e emparelha com a ID. Buzz dirigida por Maria Rita. É Elis Regina no comando do volante. Aparentemente, ainda falta um motor de verdade no carro elétrico, pois Elis mesmo em um veículo antigo facilmente alcança a ID. Buzz.
Maria Rita sorri. Embora deveria estar preocupada em estar tendo alucinações e ainda por cima seguir dirigindo! A cena corta para um sujeito com a camisa do Belchior. Ele está soltando foguetes enquanto dois SP2 andam em círculos. Mais atrás, um grupo de pessoas dispara um sinalizador vermelho. Nada faz sentido nessa cena. Depois aparece um casal em uma Kombi e um pai de família empurrando um Gol. Bem, quem disse que uma publicidade não pode ser honesta?
Finalmente, o comercial volta a focar no encontro entre mãe e filha. Elis parece mais jovem que a própria filha. Elas se olham. Elis descobre que Maria Rita é uma cantora de peso na MPB. Mais algumas imagens aleatórias que não casam com a música escolhida. Até que mãe e filha dirigem rumo ao horizonte e entra o slogan: "o novo veio de novo".
A Volkswagen está orgulhosa de revisitar o passado. “Somos uma marca com história com os brasileiros e essa homenagem era um sonho para todos os colaboradores e clientes que fizeram e fazem parte da família Volkswagen”, afirma Livia Kinoshita, gerente executiva de Marketing Comunicação da Volkswagen do Brasil.
Só tem um detalhe: a Volkswagen apoiou abertamente o regime militar. Tudo bem que a Elis Regina até mesmo cantou nas Olimpíadas do Exército. Na época, o Pasquim ironizou chamando a cantora de Elis Regente. Mas depois a cantora se posicionou de forma aberta contra a ditadura. Talvez ela recusasse aparecer no comercial. Só que seus herdeiros autorizaram essa exumação feita por IA. Então, como diria Belchior: "Na parede da memória/Essa lembrança/É o quadro que dói mais".
VW 70 anos | Gerações | VW Brasil