Natu Blues Festival


O Blues, como o Jazz, é basicamente uma música morta. É difícil acreditar que alguém vá compor, hoje em dia, algo significante ou que revigore o gênero. Além disso você pode contar nos dedos o número de bluesmen( a ZeroZen não reconhece a palavra bluseiro) vivos e ainda em atividade. Dos mais relevantes, apenas John Lee Hooker, B.B. King, Buddy Guy e num menor nível Otis Rush ainda estão aí para contar a história como se deve. E como se não bastasse, ainda existe muito branco azedo querendo carregar a alça do caixão para se aproveitar do espólio. O que, sabidamente, levou o gênero a sua total estagnação nos anos 70 e conseqüente passagem desta para melhor.

Pois blues de branco é o que não faltou no primeiro Natu Blues Festival, realizado de 24 a 26 de abril no Bar Opinião em Porto Alegre. Sem grandes nomes e ainda por cima com a participação de vários músicos da "cena" local, o Natu Blues ficou no meio caminho entre o bem-intencionado e o completo desastre. Seria interessante para uma próxima edição— isso se houver outra— deixar o amadorismo de lado e trazer algum artista de peso e real relevância.

Mas enfim um festival com a dose do uísque a R$ 2,00, mesmo que seja nacional, não pode dar errado, certo?

Maneiras de perceber que você está num festival de Blues de branco:
- A platéia é 99% branca(óbvio).
- Tem mais músicos na platéia do que no palco, ou melhor: mais guitarristas do que músicos.
- Cada músico(branco) tem direto a um solo por música com exceção do guitarrista que pode solar mais vezes.
- Ao invés de um espaço para dançar, o mezanino é aumentado. E onde ficava a pista, colocam-se mesas e cadeiras. Sendo que a distância do palco é agora de aproximadamente uns dois corpos. Diga-se de passagem o palco tem uns 1,60 metros de altura.
- Quando o guitarrista diz: agora nós vamos tocar um clássico de Elmore James (Can’t Hold On), eles emendam em seguida a versão do Fleetwood Mac da música. Também pode acontecer de tocarem "Crossroads" do Robert Johnson, mas no arranjo do Cream.
- Quando finalmente aparece alguém com o pé na África, não só o pé como todo o resto, ele é escudado, oram vejam só, por uma banda de brancos!
- E, finalmente, sempre tem alguém que vai tocar a indefectível "The Blues is Alright".

Dia 24

Andy Boy &Vinícius Silveira

Um cara que se auto-intitula "Andy Boy," e toca gaita é no mínimo suspeito. Já o guitarrista Vinícius Silveira, numa cidade tão pródiga em nomes artísticos como Porto Alegre, parece alguém realmente incapaz de inventar para si um epíteto qualquer. Com repertório óbvio de standarts e alguns números próprios Andy Boy ( Gaita) e Vinícius Silveira(guitarra) fizeram uma apresentação na medida de suas limitações. O que significa menos que nada.

Nuno Mindelis

Nuno Mindelis perdeu o cabelo e ganhou algum peso. A temporada ao lado do Double Trouble, banda que acompanhava o falecido Stevie Ray Vaughan, parece que lhe serviu como aprendizado. Demonstrou uma técnica bem mais apurada beirando ao virtuosismo, apesar de as vezes baixar um Jeff Halley. Nuno fez um set curto dando mais espaço para o guitarrista americano Mattew Robinson com quem dividiu o palco. A banda de apoio formada por: Richard Vega(bateria), Andrei Ivanovic(Baixo) e Maurício Pedroza (teclados) ex- Tutti Fruti segurou a tarefa com competência e profissionalismo.

Matthew Robinson

O americano Matthew Robinson, o único bluesmen legítimo do festival, é um veterano de um disco só: Bad Habits de 1998. Mesmo sendo um completo desconhecido, o cara mostrou o óbvio: para cantar Blues precisa, primeiro, ter voz para isso. O fato de ser negro também ajuda e muito. Além disso como guitarrista Robinson tem fraseado limpo e discreto, sem recorrer a virtuose estudada dos músicos brancos. Nuno Mindelis que o acompanhou durante o show é um bom exemplo.

Dia 25

Fernando Noronha & Black Soul

Fernando Noronha é a atual revelação do blues gaúcho. Se levarmos em conta que antes só havia por aqui o Solon Fishbone, não se pode negar que houve um progresso. Noronha segue a cartilha do blues texana, com forte influência de Johnny Winter. Com um repertório menos óbvio poderia realmente fazer a diferença. O cara até se arriscou num solo com um pedal wah-wah! Por outro lado sua banda, Black Soul, não é grande coisa e teve trabalho para acompanhar Ron Levy.

Ron Levy

Essa é a terceira vez que o tecladista americano Ron Levy vem a Porto Alegre. O cara inclusive produziu o Cd Blues From Hell do Fernando Noronha. Pilotando um órgão Hammond B3 original Levy mostrou que tem grande influência de Jimmy Smith. Numa apresentação bastante improvisada, acompanhado de Noronha e a Black Soul, que aparentemente não tiveram muito ou nenhum tempo para ensaiar com o tecladista. Pois a banda passou o tempo todo olhando para Levy tentando adivinhar o que o cara ia fazer. No melhor estilo siga o líder. A apresentação foi marcada com vários momentos do tipo: o que diabos eu faço agora? Foi um bom show, apesar de Levy embaçar a maioria das músicas com enormes introduções ou solos sem fim.

Amadou et Mariam

Agora, aqui está algo que não se vê todo dia. O casal Amadou et Mariam, formado pelo guitarrista Amadou Bagayoko e pela cantora Mariam Doumbia, ambos cegos e oriundos da República do Mali, faz uma música de raiz cantada em dialeto, que lembra vagamente o Blues americano. O choque cultural era previsível. Como Nelson Rodrigues já dizia: "A platéia só é respeitosa quando não está entendendo nada". Assim muita gente foi embora para casa mais cedo. O que foi bom, pois liberou a pista para as pessoas dançarem. Quem ficou presenciou um show, no mínimo, curioso. Tá certo, que às vezes Amadou soltava uns ritmos bem mais próximos do merengue que do blues ou ficava difícil aturar os vocais de Mariam. Mas eles não são de todo ruins. Escudados por uma excelente banda, que manteve um ritmo forte e dançante durante toda a apresentação, a dupla conseguiu conquistar a platéia fashion e descolada do opinião. Enfim um bom show, mas meio fora de lugar. Como alguém corretamente observou: o Free Jazz começou assim...

Dia 26

Solon Fishbone y Los Cobras

Solon Fishbone tem medo do volume. É aquela história: quem nasceu para tocar bossa-nova não devia se arriscar a tocar Blues. Ele toca guitarra como se não quisesse incomodar a vizinhança. Para terem uma idéia, durante a Jam Session final, num dos seus poucos solos, o público mais próximo ao palco pedia para que ele aumentasse o volume de sua guitarra. Relutante preferiu continuar no seu estilo discreto e silencioso. O ponto alto da apresentação de Solon foi o set com Miguel Botafogo. O que é sintomático. Fechou o show com sua bizarra versão de (I Can’t no ) Sactifation, dos Rolling Stones.

Miguel Botafogo

Além de terem um melhor futebol, descobrimos agora que os argentinos têm também melhores bluesmen que nós. Miguel Botafogo é um excelente interprete e guitarrista, inclusive tocou steel guitar numa versão matadora de Shake your Money Maker. Pilotando uma Fender Jaguar, não muito comum entre o pessoal do blues, foi de longe a maior surpresa da noite. Tá certo que blues em espanhol não funciona muito bem, mas o cara tem carisma e presença de palco de sobra. Conquistou definitivamente a simpatia do público quando desceu do palco e ofereceu sua guitarra para que alguns felizardos da platéia arranhassem algumas notas. E provando que tinha mais guitarristas na platéia do que no palco, maioria não fez feio e tirou suas escalas pentatônicas direitinho.

Flávio Guimarães & Mason Casey

Quem não era fã de gaita de boca se viu mal durante o show de Flávio Guimarães & Mason Casey. A combinação entre os dois gaitistas nem sempre deu muito certo, principalmente, com o mala Mason Casey, querendo aparecer mais do que todo mundo. Flávio Guimarães ex-Blues Etílicos abriu seu set com Checkin’ Up On My Baby de Sonny Boy Williamson e esquentou o palco para Manson Key. O estilo low-profile de Flávio contrastou com o elétrico e histriônico de Manson. O cara é basicamente um palhaço: fez discurso pró-maconha— bluesmen maconheiro é dose— quebrou o pedestal do microfone, se atirou no chão várias vez. Fez um show longo e competente, mas não agradou totalmente a platéia gaúcha. Na jam session de encerramento seria um dos menos aplaudidos, em contraste com a consagração de Miguel Botafogo.

Jam Session de encerramento

A Jam session que encerrou o festival e se estendeu até as três horas da madruga, teve participação de praticamente todos participantes do festival: Nuno Mindelis, Matthew Robinson, Solon Fishbone, Fernando Noronha, Ron Levy, Miguel Botafogo, Flávio Guimarães, Mason Casey Andy Boy, Vinícius Silveira e quem mais estivesse passando pelo palco no momento. A jam como não podia deixar de ser foi altamente improvisada, melhor dizendo tumultuada, e durou muito além do necessário. Musicalmente teve mais desencontros do que acertos. A impressão final é que faltou, basicamente, alguém que botasse ordem naquela bagunça. Já que a overdose de solos de guitarras não conseguiu produzir nenhum momento memorável.

Momento sintomático da jam session: Solon Fishbone começa a solar e Nuno Mindelis vai ao microfone e pergunta: cadê o Fernando Noronha?

Da Reportagem Local

Momento For Losers Only do Festival

Na quarta-feira, já no final da noite, três falsas loiras da recepção do festival andavam pela audiência oferecendo a oportunidade aos incautos espectadores de participar de algo chamado Click Natu. A idéia era mais ou menos a seguinte: de posse de uma câmera fotográfica, daquelas instantâneas, as loiras, altamente fagocitáveis, posavam ao lado de um loser qualquer, já devidamente alcoolizado, e depois lhe ofereciam a foto como recordação. Com direito a moldura e tudo. Uma espécie troféu para lembrá-lo de outra noite solitária...