Marisa, Monte outro show que esse não deu
Tudo mundo sabe que a Marisa Monte é a maior cantora de churrascaria do Brasil. Ou seja, ela só existe para cantar as músicas dos outros. Infelizmente, ela insiste em pensar, em querer ser uma espécie de comandante moderninha e modernosa da MPB atual. O resultado é um desastre, que só consegue agradar a pseudo críticos de música (não por acaso os maiores patrocinadores da cantora) e neófitos de plantão.
O show Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, que lotou durante por cinco dias o Teatro Sesi em Porto Alegre é um reflexo puro e simples do caminho equivocado que a cantora escolheu. Marisa, diga-se de passagem foi acusada, no início da carreira, por possuir um repertório eclético, de ser inconsistente, pois seus discos não tinham equílibrio, nem coesão. Hoje, é fácil afirmar que o cd que deu origem ao show é o mais uniforme de Marisa, afinal é uma chatice do início ao fim.
De qualquer maneira, novamente a melhor coisa do espetáculo ficou por conta de uma regravação. Marisa redescobriu Eu te amo, te amo, te amo do disco O Inimitável Roberto Carlos (1968). Aliás, a música foi incorretamente chamada por um certo crítico (amante de música eletrônica) de um certo jornal como Eu te Amo. O erro é crasso, porque Roberto Carlos já tem um música com esse título, que é uma regravação de And I Love Her.
O problema fulcral do show é que ele pode ser facilmente resumido a três ou quatro bons momentos. Inclusive, todos acontecem quando Marisa esquece o repertório claudicante de Memórias, Crônicas e Declarações de Amor e vai buscar no passado a salvação para a mediocridade galopante da atual MPB. Assim, há um momento intimista com Para ver as Meninas de Paulinho da Viola e, acredite quem quiser, uma regravação de Ontem ao Luar, que ficou famosa na voz de Vicente Celestino. Infelizmente, isso é muito pouco para justificar qualquer pretensão de Marisa de ser considerada uma interprete séria do quilate de uma Gal Costa, por exemplo.
Contudo, o grande erro do espetáculo montado por Marisa Monte foi o uso demasiado e irritante da percussão. No show, dois percussionistas ocupam a frente do palco batucando o tempo todo. Teoricamente, eles fariam o contraponto melódico das canções. O problema é que nem toda a música precisa desse tipo de recurso. Pode-se dizer que Marisa timbalizou o seu repertório, o que, é óbvio, só pode ser mais um exemplo da influência maligna de Carlinhos Brown.
A platéia que lotou o Teatro Sesi, é claro, reagiu com frieza às esquisitices patrocinadas pela cantora. As músicas mais antigas do repertório de Marisa Monte foram as mais aplaudidas. Apenas Amor I Love you recebeu uma acolhida mais calorosa. Vale ressaltar que a música vem sendo repetidamente pichada de brega, de sertaneja. Uma injustiça brutal, pois é de se duvidar que sertanejos sejam tão chatos. Apesar disso, Marisa foi várias vezes interrompida (fã bebum é dose) com gritos do tipo "divina", "maravilhosa", "tu é tudo".
Talvez por isso, como vingança ela tenha preparado o bis mais esdrúxulo que o Teatro Sesi jamais recebeu. Se o leitor já foi a um número razoável de shows sabe que as músicas que ficam para o retorno do artista ao palco são as mais conhecidas e as mais, digamos assim, dançantes. Pois bem, Marisa voltou ao palco e cantou um rock dos Novos Baianos. Qual foi? Ninguém sabe. Imaginem a voz de Marisa Monte tendo que suplantar uma guitarra no volume máximo e dois empolgados batuqueiros de despacho de fim de semana. Como ocorreu em quase todo o show, ninguém entendeu nada. A platéia ficou estática, imóvel, como uma estátua de general, provavelmente pensando se tratar de mais uma esquisitice da cantora (o que, de fato, era).
No fim das contas, o show de Marisa Monte acabou sendo uma crônica de um batuque anunciado. Para ser moderna e descolada, ela insiste em dividir o palco com músicos jovens e sem brilho, como o seu namorado Davi Moraes e o tecladista do famigerado cd Tempestade do Legião Urbana, Carlos Trilha. Também ficou evidente que Marisa quer buscar o mercado exterior, sob o sinistro rótulo World Music, e não é à toa que a percussão ocupa um lugar de destaque. É a velha história de fazer som para gringo ouvir.
A conclusão que se chega ao assistir Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, é que Marisa Monte é como a Internet tem um potencial incrível, mas a gente ainda não sabe bem para que isso serve.