Cram perde sua alma
O pessoal da ZeroZen não costuma ouvir rádio e, com certeza, não ouviria sob circunstâncias normais a Rádio Atlântida, o totem sagrado da mesmice musical gaúcha. Mas foi preciso fazer uma exceçã, quando um jovem desequilibrado, como foi descrito por um jornal local, resolveu exigir seus 15 minutos de fama na base da confusão e correria. "Jovem" é modo de dizer, porque o ser de 27 anos já tem idade suficiente pode responder por seus atos, apesar de que depois dessa quarta-feira muito gente duvide disso. Pois descontente por não ter seu CD aceito por nenhuma gravadora ou rádio da região, o indivíduo conhecido no meio 'artistitica' de Porto Alegre como Cram entrou no prédio da Rádio Atlântida e depois de agredir uma funcionária invadiu o estúdio e tascou um revólver na cabeça do locutor Márcio Paz. Se os filmes gaúchos tem qualidade duvidosa, imaginem então esta versão patusca de Airheads.
Enquanto mantinha o radialista como refém, o "Melara musical" distribuiu um pseudo-manifesto contra a situação injusta das gravadoras que recusaram seu trabalho e obrigou Paz a rodar o CD todo, repetindo algumas músicas depois. Durante a longa hora, o radialista fez jus ao seu sobrenome e foi acalmando o garoto, colocando um pouco de juízo onde nunca houve. Pena que era tarde demais. Pois depois de ouvir sobre livre e espontânea pressão o disco Fases da Vida, da banda(sic) "Além do Céu Cinzento" (ACC), que fala de um futuro com ETs controlando a terra e apenas um grupo de rebeldes heróicos para salvar a paróquia!!!! Não há como deixar de notar que esse ato tresloucado foi muito esforço para nada, pois as gravadoras e rádios que recusaram o trabalho do jovem Cram estavam cobertas de razão. Pelo visto alguém andou lendo X-Men demais e esqueceu que a vida é diferente da arte.
No site oficial, o guerreiro Cram pinta um quadro de heroísmo, digno de uma Graphic Novel. Mas seu perfil revela que ele cuida das suas tranças cor de mel e é orientado por uma tutora que tem o nome da atriz Aracy Balabanian ao contrário. Já dizia o mentor dessa cachorrada chamada Piores, Marcos Mion: fala sério. Como um lunático, um rascunho escrito com lápis sem ponta de Roger Waters trancado em seu quarto repleto de muros contra as falhas, Cram foi arquitetando seu plano. Ele dizia ter 10 anos de estrada, mas seu comportamento - e suas histórias - mostraram que ele não tem 10 anos de idade mental.
É, Zerozenauta, faltou laço para endireitar o garoto. Faltou alguém para dizer "gibi é gibi, vida é vida" e, principalmente, "palco é palco, não é vida real". Ah se ele tivesse lido mais Homem-Aranha, pelo menos. O "jovem" teria aprendido que "grandes poderes trazem grandes responsabilidades", que é preciso crescer e enfrentar o mundo real. O visual dark do menino denunciava um fanatismo pelo filme O Corvo. Ledo engano, ele era um super-herói movido a Renato Russo. O dinheiro para bancar o CD nasceu destes shows. Influência peculiar, ainda mais vinda de uma banda que soa tal qual Biquíni Cavadão e utiliza um visual pior que os monstros da série Spectreman. O site anuncia "o que há de novo no pop rock, duvida?".
Sim, a ZeroZen duvida e ainda faz pouco, pois trata-se de mais uma banda tentando soar ridícula para faturar nessa onda do podre. Já basta o Supla, agora não existem mais limites para tentar aparecer. E este "jovem" foi longe demais, pena que não sabia que não estava mais na caixa de areia do parquinho. Não vem ao caso aqui discutir a indústria fonográfica, que já foi pauta de outras discussões da ZeroZen, até porque um evento como esse só pode permitir que alguma gravadora picareta compre o disco e lance rapidamente, ficando com todo o dinheiro das vendas e logrando os músicos. (detalhe: a única loja de cds de Porto Alegre que vendia os discos do ACC tão logo soube do ataque à rádio retirou tudo da prateleira. Quer dizer, isto é que é miopia empresarial. Até por que a única possibilidade que eles tinham de se livrar de uma bomba daquelas era agora.
Fica o recado para os novos artistas ao
pensar na arte. Tudo bem, diversão vale e estamos recheados de
bandas sem conteúdo algum mas que fazem sucesso, catam groupies
e depois voltam pra casa na boa. Até mesmo o herdeiro do programa
Piores da MTV, João Gordo, já notou que só resta
usar o sistema para o seu proveito próprio. Ah, reza a lenda que
a banda apareceu no seu programa.
Depois de tomar conta de todo o noticiário do Rio Grande do Sul,
agora resta ver se o "jovem" dará uma entrevista para
o repórter policial Paulão, do programa Polícia em
Ação. Um dos bordões do apresentador quando alguém
vai preso é: "vai fazer curso de canário". Chegou
a vez de Marc enfrentar a dura lição da vida de cantor,
módulo canário, no campus presídio central. Caso
seja realmente condenado, logo teremos um grande maníaco a solta
(vai aprender o que pode dentro do cárcere) ou um novo artista
gospel.
Moral da história? A geração coca-cola gaúcha arrotou nesta quinta.
P.S.: Uma pergunta não quer calar: como é que o Edu K não pensou nisso antes?.