Chico Buarque: do "eu lírico" ao "eu idiota"


Chico Buarque declarou que não vai mais cantar "Com Açúcar, com afeto". Para a ZeroZen, tudo certo. A música é chata mesmo. Um problema a menos no mundo. Até que feministas começaram a comemorar a decisão nas redes sociais como se fosse um gol em um clássico do futebol. A partir daí, a quantidade de sandices cresceu exponencialmente.

Antes de mais nada, é preciso entender toda a confusão. Chico Buarque resolveu participar de um documentário sobre a Nara Leão – “O canto livre de Nara Leão”. Atualmente, a cantora está ganhando o status de ícone feminista. E quem fala isso certamente nunca ouviu um disco da cantora na vida. Enfim, no documentário Chico explicou que não iria mais cantar “Com Açúcar, com Afeto”.

Houve, então, uma reação desproporcional. As feministas vibraram porque aparentemente o patriarcado opressor tinha sofrido uma derrota brutal. O fato de Chico Buarque ter voltado atrás mostrava que ele tinha aprendido a lição e deixado de ser um machista contumaz. Mas, calma aí... Se isso fosse verdade, Nara Leão jamais poderia ser considerada um baluarte do feminismo. Afinal de contas, ela mesmo pediu a música ao Chico Buarque!

Tem mais. Nara Leão foi explícita no pedido ao compositor. Ela queria uma música sobre mulher sofredora, à maneira dos sambas antigos, como as canções de Assis Valente (um aviso às feministas: não dá mais para cancelar o Assis Valente, ele já morreu faz tempo). Resumindo: ao fazer uma música machista, Chico Buarque pode ser chamado de machista? Resposta: não, de jeito nenhum. E o motivo é simples. Existe algo chamado "eu lírico".

O eu lírico é um elemento fundamental da poesia. Esse tipo de composição escrita que evidencia sobretudo a subjetividade – as sensações, emoções, a interioridade de um sujeito. Mas quem é esse sujeito? Será esse sujeito o próprio autor do poema? Ou seja, todos os poemas são uma parte biográfica da vida dos poetas?

Não! Nunca! Jamais, em tempo algum, nem mesmo nos seus sonhos mais loucos. Não são os poetas que se enunciam nos versos. A poesia fala por meio do eu lírico. Eu lírico, eu poético ou sujeito lírico são nomenclaturas utilizadas para indicar a voz que enuncia o poema. Ou seja, é um eu fictício, que pode (ou não) ter características do eu autoral.

Infelizmente, nesse caso, "eu lírico" foi substituído graças as redes sociais que criaram toda essa polêmica pelo "eu idiota", "eu imbecil" e o "eu estúpido"....

Da Reportagem Local, ou não