Games & Violência
A justiça Federal de Minas Gerais concedeu, no dia dez de dezembro, liminar para o pedido de uma juíza de Belo Horizonte, que solicitou a proibição, distribuição e venda, em todo país, de seis jogos de videogame: Blood, Doom, Duken Nukem, Mortal Kombat, Postal e Requiem. A proibição, pasmem, foi baseada no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que já havia sido usado para a proibição do jogo Carmageddon. Segundo o Código, esses jogos são impróprios para o consumo por serem nocivos à saúde de seus consumidores(?!).
A decisão ainda é provisória, pois o mérito precisa ser julgado. Mas como acontece sempre nesses casos a demonstração de ignorância e abuso de autoridade é gratuita e imediata, com a apreensão desmedida dos jogos. O que, cá entre nós, deve fazer o natal dos filhos e sobrinhos dos agentes da polícia federal bem mais feliz.
A liminar, é juridicamente pífia, extremamente vaga e incompleta deixando margem para várias dúvidas. Pois não faz qualquer distinção entre as várias versões e sistemas em que alguns dos jogos estão disponíveis. O Mortal Kombat, por exemplo, possui quatro continuações que podem ser encontradas em praticamente todos os sistemas de videogame disponíveis no mercado, incluindo versões para fliperama (arcade), PC e consoles: Supernintendo e Playstation. A liminar não menciona qual versão do jogo está vetada, logo juridicamente só o primeiro Mortal Kombat está proibido. Outro bom exemplo de como a liminar é imprecisa é o caso do jogo Duken Nukem. Se formos levar ao pé da letra, e a justiça precisa ser sempre detalhista e rigorosa. Duke Nukem é um jogo de plataforma lançado no início dos anos 90. Enquanto Duken Nukem 3D, é um jogo em primeira pessoa, no qual de maneira infundada e sem qualquer base teórica, algumas pessoas, entre elas o Ministro da Justiça José Carlos Dias, relacionaram com a matança ocorrida no Morumbi Shopping. Notem que o maníaco do shopping, Mateus da Costa Meira, 24 , confessou que vinha planejando o crime há sete anos. O jogo Duken Nukem 3D é de 1996.
A lista de jogos escolhidos parece ter sido obra de gente muito mal assessorada e que desconhece completamente o assunto. A falta de critérios e coerência são notáveis. Um dos primeiros nomes a chamar atenção é o do jogo Postal. Lançado originalmente em 97 nos EUA, onde foi proibido para menores de 18 anos, nunca foi lançado no Brasil. Isso mesmo! Não foi lançado no país. Mas foi proibido. Sabe-se lá dentro de que jurisdição. Vai ver que a juíza Maria Resende Neves Guimarães se acha no direito de legislar além de nossas fronteiras nacionais.
A inclusão de jogos como Doom e Duken Nukem e Blood chega a ser até cômica. Doom tem quase 6 anos. O que em termos de informática equivalem a uns 30 anos do nosso sistema solar. Trata-se de um ícone da industria de software, foi um dos jogos para computador mais vendido de todos os tempos e conseqüentemente um dos mais pirateados. Diga-se de passagem, se a polícia federal conseguir encontrar uma cópia original do Doom para vender, deveria levá-la para um museu de informática. Para terem uma idéia do desacerto dessa proibição a ID Software produtora do Doom e da série Quake, já disponibilizou para os usuários da Internet o código de programação do jogo, para o desenvolvimento de versões com aceleração gráfica. O que significa que hoje em dia Doom não tem mais, praticamente, qualquer valor comercial.
Vale a pena notar que entre os games censurados, só consta um game produzido em 99: Requiem: Avenging Angel, que deve ter entrado na lista mais pelo seu subtexto religioso (o personagem principal é um anjo), do que sua violência propriamente dita. Pois devem existir pelo menos uma dúzia de jogos tão violentos quanto Requiem, lançados no Brasil e que não foram proibidos. Mais uma vez a falta de critérios é gritante.
Portanto, chegamos ao ponto crucial desta patuscada da justiça brasileira. Ao que parece os jogos escolhidos estão de alguma forma relacionados com a tragédia no Morumbi Shopping. O que torna as coisas bem mais interessantes do ponto de vista jurídico.
Está se presumindo que o maníaco do shopping foi influenciado por esses jogos, e por isso eles são nocivos a sociedade. O que pode ser desastroso. Pois não existe provas concretas deste fato, que por si só já é extremamente subjetivo. E principalmente por abrir um precedente perfeito para defesa do acusado. Essa proibição é a melhor notícia que o advogado de defesa de Mateus poderia receber. Ao proibir esses jogos a justiça brasileira está de certa maneira inocentando o maníaco do shopping. Dando-lhe uma desculpa, um alibi. É possível até imaginar aquele advogado de porta de cadeia finalizando sua defesa com o seguinte argumento: "meritíssimo meu cliente tem histórico de violência, usa drogas, fazia tratamento psiquiátrico mas ele matou essas pessoas porque jogava esses joguinhos maléficos...."
Nos Estados Unidos onde tragédias como a do Morumbi Shopping são, infelizmente, bem mais comuns esse tipo de proibição é impensável. Afinal se formos censurar todo filme, livro, ou jogo de videogame que se encontrar entre os pertences de um assassino psicopata. Entre os primeiros livros que seriam proibidos, possivelmente, estaria a Bíblia.
O mais triste nessa história é que dever ser muito provável, que Mateus seja solto depois de algum tempo, mas que esses jogos continuem proibidos. O que é simplesmente um despautério.
No fundo, tudo o que se precisa é de um controle mais rigoroso da venda desse tipo de jogos para menores de idade. Notem que a proibição desses jogos tem base nos atos de um adulto, maior de idade, com título de eleitor, reservista do exército e estudante de medicina. Mas tudo bem. Uma classificação etária de jogos é compreensiva e até bem-vinda. Já a censura irrestrita é uma demonstração, clara e simples, de falta de preparo e competência da nossa justiça para lidar com uma questão como essa. Afinal, jogos de videogame não são baratos e para uma criança ter acesso a eles é preciso ter o aval e o dinheiro de um adulto.
A quem afeta essa medida? Com certeza não vamos ver ninguém saindo em defesa de jogos eletrônicos como se defendia, livros e filmes polêmicos no tempo da ditadura militar. Além disso a percentagem da população brasileira que tem acesso a esse tipo de jogo é ínfima e não votante, logo não possui muito interesse para nossos políticos. A violência não vai diminuir, muito menos aumentar, por causa da censura de 6 jogos para videogame. Quem achar o contrário está sendo tão infantil e desequilibrado, quanto quem é capaz de confundir a realidade com o mundo de fantasia dos jogos de videogame.
Afinal todos sabemos que a vida é muito pior. Certo?
Last But Not Least
Mark Chapman assassino de John Lennon era obcecado pelo livro Apanhador no Campo de Centeio. Alguém pode imaginar livro mais inofensivo que esse? Pois bem seguindo a brilhante lógica do nosso Código do Consumidor esse livro deveria ser censurado. Pois é nocivo a saúde de seus leitores. John Lennon que o diga....
Saiba mais sobre os jogos censurados aqui.
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