Ruff Gahnor

O Jovem Nerd, comandado por Alexandre Ottoni e Deive Pazos, é um caso à parte no mundo do podcast brasileiro. Aparentemente, eles sabem como ganhar dinheiro. Em um episódio eles resolveram mostrar como seria a verdadeira experiência de RPG de mesa. Tinha tudo para ser um tédio colossal. Mas deu certo e gerou o personagem Ruff Ghanor, que gerou um jogo.

Antes que o apoplético leitor da ZeroZen se manifeste, vamos adiantar a questão. Sim, esse é um jogo nacional. Por incrível que pareça, existe uma série de livros que conta a trajetória de Ruff Ghanor e até mesmo um financiamento coletivo que bateu a meta de R$ 500 mil em apenas 10 minutos.

Então, em tese, haveria interesse em um jogo do personagem. Em 08 de outubro de 2022, durante a BGS, o site Jovem Nerd anunciou um jogo inspirado em Ruff Ghanor. O game foi desenvolvido pela DX Gameworks. Só que em vez de bater de frente com grandes produtoras, Alexandre Ottoni e Deive Pazos decidiram por um jogo de nicho.

Ruff Ghanor é um deckbuilder com elementos de roguelite. A inspiração nítida é Slay The Spire. A trama se passa durante o período contemplado no primeiro romance da Lenda de Ruff Ghanor, escrito por Leonel Caldela, intitulado de O Garoto Cabra. O resultado final é um jogo que não compromete, mas não acrescenta nada ao gênero.

Quem se interessa por esse universo criado pelo Jovem Nerd pode ficar satisfeito como a história se desenrola mostrando a forma com que Ruff foi encontrado pelos irmãos do Mosteiro de São Arnaldo, a evolução do personagem da infância para a fase adulta e sua relação com personagens como o Prior, Korin e Áxia. O problema é quem vai ver essa história pela primeira vez. O jogo serve para amplificar os pontos fracos da narrativa (que não são poucos).

As mecânicas do game são bem adequadas a proposta. É um sistema de combate por turnos. A cada encontro, o jogador tem à sua disposição um número predeterminado de ações. Essas ações servem para jogar as cartas distribuídas naquela rodada. As cartas podem ser de ataque, controle ou oração. As cartas de ataque são os golpes físicos. As cartas de controle geram escudo para o personagem e seus aliados. Já as orações incluem diversos benefícios, como cura e ataque mágico, por exemplo.

As cartas de oração também estão diretamente ligadas à barra de fé de Ruff. Elas geram uma energia para conjurar os milagres obtidos ao longo da campanha. Esses milagres funcionam como uma ação extra. Basicamente, são extremamente úteis, porque podem recuperar vida ou causar dano direto, ignorando as defesas do inimigo.

Um sistema interessante é o fato de ser possível verificar a próxima ação do inimigo. Ele pode usar uma ação de ataque, de defesa ou uma habilidade especial. Inimigos mais fortes combinam até duas ações no mesmo turno. Ou seja, é preciso pensar bem a próxima jogada. Caso contrário, a derrota é certa.

Ao final de cada confronto o jogador receberá uma carta adicional para seu baralho, que ficará disponível apenas até o final daquela campanha. Nem é preciso dizer que o deck inicial não é lá essas coisas. Mas o baralho pode ser melhorado no intervalo entre os encontros. Para isso é preciso usar arcanium. Esse minério também é usado para evoluir o baralho de forma definitiva na forja infernal. Neste local, o jogador poderá gastar arcanium para adquirir novas cartas, aumentar o espaço fixo de cartas e editar o baralho.

A lógica seria avançar no jogo, evoluir o baralho e evitar ser derrotado. O problema é que o jogo é um tanto desbanlanceado. Principalmente no ato final. Mesmo com um deck poderoso, o nível de desafio é brutalmente injusto. Também é preciso dizer que em média é preciso em torno de umas duas horas para chegar na parte final. E possivelmente uns dois minutos para ser derrotado por inimigos que apelam para ignorância.

Bem, aí é preciso repetir o processo, como sói acontecer nos jogos roguelite. Mas existe um erro frequente neste estilo de game. É fundamental fazer com que o fato de perder todo o progresso seja algo divertido, interessante ou menos punitivo. Neste ponto, Ruff Ghanor deveria ter seguido as lições de Hades. Ou seja, parte da história também se desenrola durante as "mortes" do jogador.

No final das contas, Ruff Ghanor é um jogo brasileiro que aposta em um nicho muito específico. Deve agradar a sua base de fãs e mais nada. Dentro do gênero é um exemplar apenas razoável. Não consegue ser tão viciante quanto Balatro, por exemplo. Detalhe importante: para quem acha que não é possível ser criativo em um deckbuilder, faça um favor a si mesmo e jogue Inscryption.

J. Tavares

Prós - jogo nichado com boas mecânicas.

Contras - parte final, repetição entendiante, roguelike