Por que o roteiro de The Last of Us 2 é um lixo
Antes de mais nada, esse é um texto repleto de spoilers. Tanto do primeiro como do segundo jogo. Então, se você quer mesmo jogar The Last of Us (vale a tentativa) e The Last of Us 2 (Deus tenha piedade da sua alma) fuja daqui para Miami como fez o ex-ministro Weintraub. Agora, quem já terminou ambos os games vai ter a resposta definitiva sobre o motivo pelo qual o roteiro de The Last of Us 2 é um lixo.
O jogo está sendo duramente criticado por fãs com direito a uma petição que exige a mudança da história. Então, os supostos críticos saíram em defesa do trabalho da Naughty Dog. Para eles, os jogadores não estão compreendendo as escolhas do roteiro. Errado! Ninguém está condenando o jogo por ele ser inteligente demais. É exatamente o oposto. O roteiro é uma ofensa à inteligência.
A ideia é que o jogador precisa entender o peso das decisões tomadas pelos personagens. Mas essas ações não são tomadas pelo jogador. Elas fazem parte do roteiro escrito por Neil Druckmann e Halley Gross. Por exemplo, no final do primeiro jogo não há a opção de poupar os médicos. Se atirar no pé, eles vão cair mortos. The Last of Us não é um jogo sobre a nobre arte da diplomacia.
Uma coisa precisa ficar clara. Por mais que os críticos se esforcem em defender o indefensável, The Last of Us - Parte 2 é ruim. Vamos analisar os fatos. O primeiro The Last of Us tinha um final antológico. O game começa com Joel e sua filha tentando sobreviver ao estouro da epidemia. Joel vê a sua filha ser morta. Muda de vida, vira contrabandista. Mesmo depois de 20 anos, o luto permanece. Mas, em nenhum momento, Joel nega seu passado. Isso é deixado claro. Ele fez várias coisas das quais tinha vergonha. Aliás, no começo do The Last of Us quando o seu irmão Tommy está dirigindo o carro, Joel pede que ele acelere e não pegue um casal que está pedindo ajuda. Ele, definitivamente, não é um herói..
Porém, Joel encontra Ellie. Descobre que ela é imune ao fungo. Ele vê uma oportunidade de redenção. Aceita a missão de levar a garota até os Vagalumes. Ellie é a chave para criar uma vacina que tornaria as pessoas imunes à praga. A dupla atravessa o país. Passa por momentos terríveis e chega finalmente Quando os dois finalmente chegam no hospital comandado pelos Vagalumes, Ellie vai passar por uma cirurgia. Só que a cura terá um preço alto, pois a garota vai morrer no processo, quando o hospedeiro for removido.
Então Joel precisa escolher entre o futuro da humanidade ou entre a possibilidade de ter uma filha novamente. Ele opta pela opção mais egoísta. Mata todo mundo - mas todo mundo mesmo - no hospital e foge. Algum tempo depois, Ellie acorda. Ela sente que tem algo errado. Quando a dupla está quase chegando em Jackson, ela decide perguntar o que realmente aconteceu. Joel mente descaradamente. E, em um misto de emoções, Ellie responde: "Ok". Fim do jogo. Há uma consistência narrativa, há uma certa ousadia da Naughty Dog. Mas não é um final feliz, sequer é um final agridoce. Ainda assim, é coerente com o desenvolvimento da história.
Justamente nesse ponto The Last of Us 2 fracassa. Há uma brutal falta de coerência. O jogo tenta mostrar o outro lado da situação tenta fazer com que o jogador sinta empatia por Abby. Mas quem é essa personagem? Abby é filha do cirurgião chefe responsável pelo desenvolvimento da vacina e que foi assassinado pelo Joel quando a Ellie foi resgatada do hospital (vale repetir: você não tem a opção de salvar os médicos em The Last of Us).
O motivo da vingança de Abby é justo? Em tese, sim. Ela sente um ódio mortal por tudo o que aconteceu. Afinal de contas, Joel matou o seu pai. Mas NÃO ARREBENTOU A CABEÇA DO CIRURGIÃO COM UM TACO DE GOLFE. A ação de Abby é desproporcional. Ela tortura Joel de forma sádica. Não é possível criar nenhuma empatia com ela a partir daí. A não ser que você tenha problemas mentais sérios.
A morte de Joel até poderia ser aceita pelos jogadores. Mas é absurdamente mal-feita. Ele parece um mirim. Passa a acreditar em estranhos. Coisa que contradiz completamente a primeira parte do jogo. Outros críticos dizem que a temática LGBT provocou a ira dos jogadores. De jeito nenhum. Vale lembrar que não é segredo para ninguém que Ellie é lésbica. Isso ficou claro no DLC Left Behind. E, honestamente, ninguém se importou.
O problema maior é que The Last of Us 2 nega a catarse para o jogador. Durante o desenrolar da história, fica claro que Ellie não vai descansar enquanto não tirar a vida de Abby. Nada importa. Nem mesmo o fato de que ela mata uma mulher grávida! Só que o jogo é tão irritante que faz a gente controlar a Abby para atacar Ellie. Novamente, o certo seria deixar a filha do cirurgião morrer de propósito (muitos jogadores fazem isso) e deixar a vingança acontecer. Mas a trama segue e, no momento final do jogo, quando ela está quase estrangulando a inimiga, desiste na última hora.
Por quê? Bem, Ellie percebe que tudo aconteceu por conta das ações de Joel. Então, ele é o culpado. Ele é o vilão. por causa dele muita gente inocente morreu em nome da vingança. Sério? Até salvar a vida de Ellie, ele não fez nada diferente do que se espera nesse universo distópico. Tem mais: Joel salva a vida de Abby no início do jogo. Então, ele ser o culpado de tudo é uma forçar demais a barra. Ninguém em sã consciência vai comprar essa ideia do roteiro. Se você, por um acaso, acreditou nessa possibilidade, por favor, procure ajuda psiquiátrica...
Então, no final das contas, Abby vai embora. Ellie volta para casa. Tenta tocar violão (o que é difícil por que ela está com dois dedos a menos). Na cena pós-crédito Ellie decide partir. Ela deixa o violão para trás. O instrumento representava Joel, que a ensinou como tocar. Ou seja, é uma maneira dela se desvincular desse passado e buscar uma nova vida. Ou talvez ela tenha pensado: "como é que eu vou tocar essa porra se perdi dois dedos e ainda deixei a minha inimiga fugir?"
Seria possível salvar a trama The Last of Us 2? Sim. Para começo de conversa, o jogo é grande demais. A história poderia ser tranquilamente em duas partes. Na primeira seguiria o desenvolvimento da relação entre Joel e Ellie. Também surgiria a personagem Abby. Ela teria uma missão que só iria sendo revelada aos poucos. Isso daria tempo para os jogadores terem empatia com Abby. No final, ela realmente mataria Joel. A segunda parte seria a vingança propriamente dita. No final ainda poderia ter a opção entre escolher quem vai continuar viva: Abby ou Ellie. Inclusive, em um game que prima por decisões discutíveis de roteiro, deixar a decisão na mão do jogador seria extremamente sábio.
Sim. O tema da vingança é absurdamente batido. A Naughty Dog tentou fazer algo diferente. Mas, para tanto, sacrificou a integridade narrativa. Não dá para aceitar as escolhas dos personagens. Elas não fazem sentido no universo em que eles vivem. No mundo de The Last of Us ninguém sobrevive sendo bonzinho ou simpático. No final das contas parece que o objetivo do game é deixar as pessoas tristes, irritadas, frustradas e sem esperança. Mas para isso não é preciso desembolsar 249 reais pelo jogo. Basta esperar os boletos chegarem no fim do mês...