Carta Aberta para Neil deGrasse Tyson
Caro Senhor deGrasse,
Aparentemente o senhor sabe fazer uma pesquisa no Google. Parabéns! Mas isso não é o suficiente para entender o Brasil. Nem de longe. A ZeroZen sabe que o senhor é um dos maiores divulgadores da ciência na atualidade. O que isso significa? Bem, alguns de seus colegas de profissão fazem pesquisas que irão mudar o mundo, enquanto o senhor apresenta a série Cosmos. Nem precisa dizer que somente em um desses casos a pessoa está ganhando dinheiro. O senhor...
Recentemente, o senhor afirmou em uma entrevista que Plutão não é um planeta e a internet tem que lidar com isso. Bem, a ZeroZen já escreveu um texto sobre sobre o assunto e acredita que há um certo preconceito da comunidade acadêmica...
Acredite: o Brasil não é um país para amadores, americanos em especial, e, pelo visto, agora também não é para astrofísicos. Aceite os fatos: você tem que aprender a lidar com isso.... (ou em sua língua natal: and you have to learn to deal with it!).
Como bom cientista, o senhor acredita em evidências. E afirma que o Brasil possui uma ambiciosa agência espacial. Sério? Acho que houve um problema de tradução. Vamos esclarecer tudo e mostrar os fatos. Existe uma triste história - amplamente documentada - sobre a participação brasileira na Estação Espacial Internacional (ISS), cuja construção chegou a envolver um consórcio de 16 países. Ela começou a ser construída em 1998. E o Brasil foi convidado. Só que o orçamento de 1999 do Ministério da Ciência e Tecnologia não incluiu a verba necessária para os compromissos do país no projeto da ISS. Ou seja, a gente já começou dando calote.
Mais interessante ainda: o Brasil ficou encarregado de construir seis componentes. Depois de anos de procrastinação (a gente é muito bom nisso, Neil) a Embraer declarou que a verba destinada pelo governo à empresa era suficiente para a montagem de apenas um dos equipamentos.
A NASA perdeu a paciência e deu um ultimato: abril de 2006. Isso que a data original de entrega era 2001. Mas aqui é Brasil, porra. A gente fez meme, acessou as redes sociais, assistiu televisão e deixou para resolver tudo na última hora. Resultado? O Brasil não contribuiu com peça alguma para o programa. Em 2007, o Brasil foi oficialmente expulso do projeto da Estação Espacial. Será que esse parece ser um país que valoriza a ciência, Neil?
E tem mais: a nossa base na Antártica pegou fogo! Veja bem, é um continente gelado, Neil. As temperaturas médias em sua região central ficam entre -30°C e -65°C. E a gente conseguiu tocar fogo no lugar. Diga-se de passagem levamos oito anos para construir uma nova base. Culpa dos trabalhadores que reclamaram que o salário estava congelado. Nosso programa espacial torrou US$ 1 bilhão (a gente é um especialista em gastar dinheiro em obras sem sentido, Neil. Que outro país faria um estádio de futebol no meio da Amazônia?) apostando na tecnologia da Ucrânia! Mas o nosso foguete, o Cyclone - 4, nunca saiu do chão.
Para terminar esse roteiro de fracassos na área científica, mais um grande momento brasileiro. A gente resolveu fazer parte do consórcio do E-ELT, o European Extremely Large Telescope em 2012. Neil, como você sabe, a missão é construir um telescópio gigante no Chile. O Brasil precisava pagar € 270 milhões. Veja bem, é um montante muito superior ao pedido pelo pessoal da Estação Espacial Internacional. Porém, havia uma vantagem. O valor podia ser parcelado em 10 anos. Isso animou o governo brasileiro (a gente adora pagar a prazo, quanto mais boletos, melhor). Mas é que claro que deu tudo errado.
Neil, a ZeroZen acredita que a essa altura você já percebeu um padrão de comportamento surgindo. Sim, o Brasil começou a enrolar de novo. O Congresso disse que não era prioridade. O governo também. Depois de muita conversa, o projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado. Só que em 2015! Três anos de atraso nos boletos e o nome sujo no SERASA da comunidade científica. Resultado? O European Southern Observatory (ESO), entidade responsável pelo telescópio decidiu suspender o Brasil do projeto.
Apesar de tudo, a gente pode concordar em um ponto, Neil. Sim, o Brasil tem os recursos e o legado para liderar toda a América Latina, se não o mundo. Mas a gente não quer nada disso. E é exatamente por isso que o nosso hino nacional fala que estamos deitados eternamente em berço esplêndido. Agora, dá licença que a gente vai assistir a reprise de Alienígenas do Passado...
Por Neil deGrasse Tyson